sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Cartas a ti...

Bragança, 07 de Março de 2008, 21h
Mãe, não consigo explicar este vazio que há em mim. É como se o meu passado simplesmente não tivesse existido. Sinto medo, medo pela minha vida ter virado "oca", medo por poder vir a esquecer que não foste apenas um sonho bom, medo por um dia poder não ser uma mãe tão maravilhosa como foste...
Tenho 25 anos, mas é como se voltasse a ser pequenina e precisasse do teu colo. Porque tinha Deus de te chamar? Não. Desta vez ele enganou-se. Não estava na tua hora. Não estava.
Tento manter a minha cabeça ocupada para não pensar muito, mas não há um minuto em que não me lembre de ti.
Desde que Deus te levou que parece que Ele levou os meus sentimentos por ti e as minhas lembranças. Na verdade sei que possuo ambos, mas parecem estar tão distantes que me fazem ter medo, medo de te poder esquecer. Sim, eu sei que isso é impossível, mas isso não atenua a minha dor.
Amo-te.
Bragança, 09 de Maio de 2008, 14h
Há dias em que, confesso, não me conheço. Parece que páro no tempo. Não que vá buscar alguma recordação, apenas com o pensamento em branco. De repente lá apareces tu e eu percebo que a falta que vais fazer na minha vida é pior do que a já estás a fazer. Infelizmente tinhas razão quando dizias que quando morresses iamos sentir a tua falta, mas enganavas-te ao dizer que só aí te iamos dar valor, pois esse sempre to dei... Sempre foste a pessoa mais importante da minha vida, mas acho que tu foste a única que nunca me ouviu dizer isso. Sofria quando tu sofrias, talvez mais do que aquilo que alguma vez pudesses imaginar; e sofria por ti, pior do que tudo... fazia-te sofrer, mas sofria também. Nunca foi minha intenção magoar-te de verdade, mas quando o fazia, acredita que também me doía; embora eu não tivesse coragem para pedir desculpas pessoalmente, pedia-te só para mim... Sei que o devia ter dito a ti, mas tu conhecias-me...
Como sinto falta de tantas coisas que não te fiz... Nunca fui pessoa de demonstrar o quanto te amava, abraçar-te, beijar-te... Oh, não chegamos a acampar... Não chegamos a fazer uma série de coisas... Tentei mostrar-te como gostava de ti ao passarmos as férias juntas, sozinhas... No fundo, eu sei que tu sabias que eu gostava de ti. Mas isso nunca será suficiente para mim... Porque tu nunca me devias ter deixado... Nunca... E se hoje eu choro, mãe, choro com dor por não ter feito mais por ti e por não te ter pedido desculpas quando devia nem ter dito que te amava... Para nós o tempo acabou. Não há mais o amanhã, apenas o "ontem"... Apenas recordações. Não me sinto forte, nem tão pouco sou forte. Sinto que perdi uma parte de mim... Onde andas tu? Dá-me força, dá-me coragem, dá-me vontade, dá-me ânimo, dá-me garra, dá-me ânsia de mais...
Amo-te.
Bragança, 10 de Outubro de 2008, 21.30h
Mãe, o dia 1 de Novembro está a chegar... O dia em que passado 9 meses nos trará com força abundante a triste lembrança da dura realidade... Não consigo imaginar como será esse dia... Sei apenas que se hoje dói... Nesse dia doerá... A dor será algo que se perpetuará para sempre no meu coração... Talvez um dia eu aceite, mas para já não. Não dá.
Preciso de ti, tu sabes e Deus também... Então porque é que ele te levou para longe de mim? Para que eu ficasse de vez sozinha neste mundo? Eu sei que fiz muitas coisas erradas na minha vida, mas nada se comparava ao imenso e eterminável amor que eu sentia e ainda sinto por ti...
Quando estava em Izeda, o nosso grupo foi a uma missa de 3º dia do tio de uma colega nossa... O pai dela subiu ao ambão e de entre tantas coisas sentidas que ele disse, eu retirei algo que me comoveu e que me fez chorar ainda mais.
Deus é como nós. Nós gostamos de ter a nossa casa enfeitada com as flores mais bonitas do nosso jardim. Ele também. Então, vem à Terra colher as suas flores mais bonitas para que lhe enfeitem a Sua casa.
Tu, mãe, tu foste uma das flores que Ele colheu... Não posso ser egoísta ao ponto de te querer apenas para mim... Mas só eu sei o que me custa...
Eu sei que também tu perdeste tua mãe muito cedo, também sei que como eu sofreste, mas eu só te tinha a ti... Será que não dá para perceber? Tu eras a flor mais bela do meu jardim... Nenhuma outra se iguala à tua beleza...
Desculpem os meus amigos se se sentirem ofendidos, não é com essa intenção... Mas se são mesmo meus amigos, então sabiam/sabem que a minha mãe era a minha melhor amiga, que para mim ela estava sempre em primeiro lugar...
E com isto as lágrimas correm... Mas porquê? Qual a ligação entre uma lágrima e a tristeza e dor que sentimos?
Pedir para te ver mais uma vez é impossível... E eu não me contentaria com uma vez mais, apenas... Queria-te para todo o sempre...
Sei que é normal... Mas custa-me aceitar isso... Custa-me aceitar o facto de a tua lembrança ser-me praticamente impossível... Lembro-me de ti e de situações, mas não me lembro propriamente de ti... Não sei se me consegues entender... A tua cara, as tuas feições, o teu sorriso... Já não são lembranças nítidas, percebes? Então dói... Dói o facto de não te voltar a ver, de lembrar o passado e pior ainda de essas lembranças não serem claras, de parecerem irreais, de quase não me lembrar de ti (físico)... Lembro todas as tuas feições... Mas não consigo ter uma "foto" tua no meu pensamento... Percebes? É quase como se me forçasse a idealizar a tua pessoa no meu pensamento...
O físico termina... Fica o espírito...

1 comentário:

  1. Obrigada pelas palavras, Lucy.
    Deixa-me dizer-te que este teu texto que me comove. Escrito com o coração e sentido como só quem por isto passa entende. Custa, dói imenso, não passa com um estalar de dedos, não há cura, não há nada a fazer. E é aí que reside grande parte da dor. Aprendemos com experiencias destas, modificamo-nos, tornamo-nos diferentes, automaticamente. Caimos na terra, as pessoas vão, as pessoas não duram para sempre. Pior, as pessoas que mais amamos, também nos deixam... E também iremos deixar um dia aqueles que mais nos admiram e nos querem bem. E é esta finitude de tudo que se torna frustrante, doloroso.
    Aprendemos, à custa da dor. Aprendemos mas o que? Modificamo-nos, crescemos? Para que? Automaticamente deixamos, em parte, de ser como éramos. É como se mais uma fina camada dos oculos que possuimos relativamente aquilo que nos rodeia, no mundo, tivesse caído. E à medida que crescemos, esses óculos, vão caíndo. E passamos a ver a realidade nua.
    Mas a nossa vida, somos nós que a fazemos ainda. Por isso, ainda temos muitos a quem amar. Apesar de sabermos que aqueles que partiram nunca, jamais serão substituidos. Nem nós queremos, nem o nosso corpo e mente deixa. Aquele pedaço que parece que nos arrancaram (eu sinto isso) pertence sempre a quem partiu. Mas outros serão preenchidos. E a dor daquela parte que nos falta, vai sendo amenizada. Aquilo que nos sobra, é a saudade e aprendizagem de tudo o que consciente ou inconscientemente fomos fazendo à medida que as lentes daqueles oculos caiam.
    Beijinhos!

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